quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Atributo de um homem




Imagens e palavras escritas nem sempre povoaram conjuntamente o pensamento humano. Enquanto apenas podíamos falar enquanto garatujávamos pinturas, alguém pode ter chegado perto da seguinte questão: em que medida a palavra “água” representa a água material, sensorial?
Mais de um povo atribuía às palavras um poder mágico, acreditando bastar pronunciar algumas específicas para que se produzisse um evento, ou uma série deles. Sabe-se de povos cujos indivíduos tinham um nome público e outro, secreto.
As possíveis relações entre as palavras e o que elas representam eram ainda o começo. Um texto como o Alcorão é, para os muçulmanos, não somente a palavra divina, mas um atributo mesmo da Divindade. A primeira vista pode-se entender como fetichismo, mas não: as palavras ditadas por Deus são Deus. E não deveríamos talvez transportar a mesma substanciação para o que dizemos? O que falamos não deveria ser um atributo nosso, como nosso rosto?
Tudo isso foi me vindo ao pensamento enquanto observava, colado na contra-capa de um livro editado em 1896, esse ex-libris.
Uma imagem vale mais do que mil palavras, e provavelmente o disse o primeiro indivíduo com sérias prevenções diante do advento da escrita, há cerca de 4 mil anos. E o ditado tornou-se universal, e dito sabe-se lá quantas milhões de vezes, com a técnica da tinta escura sobre fundo branco. Millôr Fernandes pode ter encerrado a questão: “Uma imagem pode valer mais do que mil palavras, mas são necessárias oito palavras para dizer isso”.
Eu falava sobre o ex-libris misterioso. Será possível inserirmos naquele retângulo (um mural?) do Google, cujo espaço vazio parece atrair, como um buraco negro, nossas perguntas mais tolas, essa imagem digitalizada, e em resposta obtermos o nome desse dono do livro perdido no tempo?
Um livro pode sim ser um atributo de quem o teve nas mãos, e gostaria muito de poder fazer, a esse ser humano ignoto e para mim tão vivo, a reverência silenciosa de conhecer seu secreto nome.

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